“Quem sabe o mal que se esconde nos corações humanos? O Sombra sabe” Essa era a introdução de um programa no rádio, que estreou no Brasil em 1944, onde se passavam as aventuras do Sombra, personagem dos quadrinhos criado em 1931 por Walter Gibson. essa é uma expressão que volta e meia utilizo em minhas reflexões. Ela é muito adequada para a análise deste filme
“Deadly Virtues: Love.Honour.Obey”. é um filme de suspense de 2014 dirigido por Ate de Jong. O filme teve sua estreia mundial em 11 de abril de 2014 no Imagine Film Festival.
Há muito venho querendo falar sobre este filme. São múltiplos fatores que me agradam nele, um elenco muito competente, apesar de desconhecido no Brasil, uma trama bem engendrada com “plot twist” e onde, apesar de não parecer, as cordas não são o elemento principal. Farei o possível para não dar spoilers,prometo.
A história em si parece banal: “Um estranho invade o lar de um casal, imobiliza o marido, e tendo todo um fim de semana à disposição, inicia um lento jogo com a mulher, um jogo de ameaças, medo, obediência e intimidade”[1].
Mas os personagens são muito bem construídos, e muito bem representados pelos atores. À medida em que a história se desenrola, eles vão evoluindo e ganhando contornos inesperados.
Há um cuidado da produção e da direção, que empregam um realismo cheio dos detalhes, que vão se encaixando como peças de um quebra cabeças desafiador. Há cenas bem vívidas, e há a sobreposição entre agressividade e mistério. Você começa a se perguntar o que está realmente acontecendo, aquele incômodo , e a sensação de que há algo mais ali do que o que está sendo mostrado.
Esse incômodo, essa intuição, é algo do qual deveríamos nos valer mais em nossas escolhas de pessoas para nos relacionar, especialmente em relação ao BDSM. Salvo exceções, nós geralmente sabemos ler os sinais, mas muitas vezes não damos bola pra eles, ou deixamos passar. E só quando a realidade bate à sua porta ( no caso do filme , invade) é que temos que lidar com as situações que talvez pudéssemos ter evitado, ao escutar a nós mesmos , ou, principalmente , ao outro com quem compartilhamos essa história.
De volta ao filme, não posso deixar de mencionar a utilização do shibari perfeitamente realizado[2], visualmente bonito, e eficiente em outros níveis. O crescimento do controle exercido de forma gradual pelo personagem principal, e a mudança de comportamento de todos os envolvidos vai encontrando espaço em nossas emoções e raciocínios, e nos leva inevitavelmente a perguntas que vão muito além da história .Muitas vezes ocorrem intervenções onde a realidade se impõe às nossas inconscientes (ou conscientes) tentativas de mascará-la.
Aqui há um exemplo claro de que a fronteira entre o mundo BDSM e baunilha, assim como questionamentos sobre o que é violência se tornam inevitáveis. Quem busca um filme sobre práticas de shibari ou BDSM vai se decepcionar. É um filme para pensar e refletir – acho que já deixei isso bem claro aqui, mas não custa reforçar.
Pode não ser um filme sobre BDSM propriamente, mas ele levanta um questionamento sobre o comportamento humano que deveria ser primordial, mas que passa desapercebido por muitos. Nem sempre a reflexão passa por chicotes, couro, algemas, cordas, hierarquia…mas pelas pessoas,. que, no final das contas são as que estão na base de tudo isso.
Ele não é muito fácil de encontrar, (já encontrei na Amazon, mas não está liberado para o Brasil. Mas a busca vale à pena.
Assistam e me procurem para conversar a respeito. Vou adorar.

Uma das versões do poster do filme.
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