
Off-Road

Um termo muito comum surgiu nos últimos anos no nosso conhecido “meio BDSM”: “Sub de Alma”. Sua aplicação tem muitos significados. Não vou me estender muito sobre eles aqui, tendo em vista ser um tema bastante explorado.
Basicamente sua utilização mais comum passou a ser por quem se denominava “verdadeiramente” submisso(a), em detrimento de outros que discordavam sobre o modelo de comportamento. Como se alguém pudesse ser mais submisso que outros, como se houvesse um único modo de submissão, ou seja: apenas as(os) “subs de alma” seriam submissos(as) verdadeiros(as). Todos os outros seriam amadores. O conceito é corroborado por outro, seu par que seriam os “Dons Verdadeiros”. Apenas estas pessoas teriam autoridade para falar sobre o assunto.
Exposta a definição, nem vou mencionar aqui que isso traz em segundo plano a idéia de que BDSM é só D/s, que BDSM é moda, etc., etc. Já me estendi demais sobre esse assunto em outros textos. A falácia dos absolutos e da universalidade, ignorando a individualidade.
O meu foco aqui são as pessoas que são bottoms e que vêem na entrega e na submissão o prazer. Servir a outra pessoa, nos atos mais simples ou nos mais complexos e arriscados traz em si a satisfação. Isso muitas vezes inclui anular seu próprio prazer (inclusive sexual) em função do outro. Entender que essa anulação é o que traz prazer em um outro nível não é uma tarefa fácil.
Mas essa tarefa cabe primeiro a quem se sente assim. Compreender esse funcionamento e suas ramificações psíquicas, emocionais, e mesmo físicas é o dever de casa inicial e mais importante que essa submissão exige.
Porque, vejam, se essa entrega é absoluta e a satisfação do outro é o objetivo principal, isso só pode funcionar se quem se submete não se deixa levar, e não abstrai de sua visão os riscos inerentes a esse comportamento.
Um(a) bottom que simplesmente mergulha nessa satisfação do outro sem limites, sem reservas, sem um mínimo de preocupação com sua própria integridade, corre o risco mesmo de virar uma alma (para os que acreditam na mesma).
Porque:
– Renunciar a toda sua vida, eu insisto, toda, é sinal de imaturidade e possível distúrbio psíquico
– Se entregar por solidão, por dificuldade de estabelecer outro tipo de relacionamento, por baixa autoestima, é sinal de que ajuda profissional é necessária
– Controlar sua conta bancária, senhas, acessos é crime, não é Dominação.
– Se for masoquista, um conhecimento dos seus limites e tolerância à dor são cruciais. Ter a certeza de que quem está provocando a dor sabe como fazê-lo, e conhece as técnicas certas, é tão vital quanto. Se você não é masoquista, não deixe o prazer da entrega ameaçar sua integridade.
Esses são alguns pequenos exemplos de situações reais. Relacionamentos baseados em respeito e consensualidade (base de qualquer relacionamento, e fundamentais para relacionamentos BDSM) não dão espaço a essas situações.
Do outro lado, o Top também deve ser capaz de identificar esses mesmos sinais. Ter alguém que se compromete em um nível profundo de entrega é uma responsabilidade imensa. Identificar se esta pessoa possui equilíbrio e estrutura emocional para vivenciar o tipo de relacionamento inerente a esta entrega é primordial.
Se simplesmente ter alguém para usar à vontade de forma inconsequente porque a mesma pessoa consentiu e não se importar com as consequências pode ser indicativo de várias coisas: falta de maturidade, falta de conhecimento, ou mesmo, falta de caráter.
Um texto muito bom sobre manipulação decorrente destes e de outros fatores é este aqui.
Contudo… Uma vez que o(a) bottom tenha a experiência, o conhecimento e a segurança, a confiança em si mesmo e saiba o que deseja, e uma vez que o(a) Top consiga identificar a extensão desse tipo de entrega… Muita intensidade, prazer e satisfação podem advir deste encontro. Coloque nele todos os temperos, técnicas, fantasias compartilhadas…e os limites serão apenas…os limites já traçados. Mesmo que se possa chegar muito perto deles, tocá-los.
“Ah então, essa é a(o) verdadeiro “sub de alma?” perguntariam alguns, provavelmente. Minha resposta é simples. Estas(es) são os(as) bottoms reais. De carne, osso, emoções, pensamentos, vontades, fantasias e desejos. Pessoas. Nem modelos, nem estereótipos, nem mais nem menos que outras pessoas. A diferença está na escolha de como viver um caminho que tem seu percurso muitas chances de desvio. Basta se preparar para a viagem.