– Porra Silver, tu é velho mesmo! “A insustentável leveza do ser”, de Milan Kundera foi publicado em 1984, e não tem nada a ver com D/s!
Calma…porque tanta sofreguidão…leia o texto e depois diga se o título é adequado ou não…
Uma relação de Dominação/submissão, a famosa D/s, possui inúmeras nuances. Já deixo claro aqui que estou utilizando o termo de forma abrangente e não específica, onde de um lado temos um(a) Top e do outro um(a) bottom, em suas diversas representações pareadas (Sádico/masoquista, Tamer/brat, Dominador /submissa, Dono/posse, Mestre/escrava…escolha o sabor que mais lhe agradar.
Dito isto, há sempre muitas coisas a considerar. Estilo, acordos, limites, preferências, todas aquelas coisas que são os “blocos” de construção de um relacionamento D/s e que fazem parte da história dele. Geralmente elas se modificam com a evolução e a intimidade, mas, raramente, mudam de uma forma radical.
Dentro desse espectro, um fator sutil, mas preponderante, é o lado baunilha de cada um. Não vou entrar aqui no mérito do famoso “24×7”, isso é conversa para outro texto. O importante aqui é lembrar que, mesmo os que se consideram nesse espectro, possuem contas a pagar, trabalho (já viram o preço dos bons equipamentos e itens?), muitos tem família – não necessariamente constituída pelo par D/s – e uma série de atividades cotidianas que não estão relacionadas ao BDSM ou com a relação de hierarquia, seja ela mais suave ou mais rigorosa.
E é nesse ponto que podemos ter – ou não – uma linha divisória, ou como já escrevi certa vez, um véu entre os mundos BDSM e Baunilha. Não que eles fiquem separados por uma cortina, mas podemos ter situações em que essa separação é mais rígida e consistente e outra onde temos um véu transparente.

A fronteira entre os mundos nem sempre é tão nítida...
Não tem um lado certo aqui, está bem? Pessoas são diferentes, por mais que sejam semelhantes. Até porque, para que qualquer par que constitui uma D/s funcione, tem que haver uma diferença fundamental – Top e bottom – que estabelecem a tal verticalidade, que o pessoal do alto protocolo adora tanto. Ela é real. Um em cima outro embaixo, vertical, e é isso. Como ela se constrói depende de cada dupla, mas ela existe, e isso é fato.
-Tá bom Silver. Mas ainda não entendi o “insustentável”. Tá parecendo que quer falar bonito
Suspiro…é eu falo bonito e uso palavras que nem todo mundo está acostumado. Mas acho que consigo me fazer entender. Tenha um ”tico” mais de paciência, já chego lá.
Como eu ia dizendo, uma vez estabelecidos os papéis, vamos viver essa relação. Experimentar, conhecer, ter prazer, conhecer…” tocar” a D/s. Se formos pensar num relacionamento que se deseja que perdure. Não estou desvalorizando as “sessões avulsas” apenas prosseguindo no meu raciocínio, que diz respeito a um relacionamento que evolui.
E como todo relacionamento, é preciso cuidado. Atenção. Diálogo. Intimidade. Esses são os elementos que vão facilitar essa evolução. Essa é a leveza.
Quanto mais essa intimidade é construída, e com isso, acredito que o encaixe entre os polos opostos da hierarquia também se torne mais fluido, mais leve essa relação se torna. Em tempo: a leveza é a do ritmo da relação, que pode ser suave ou extrema, ambas com intensidade enorme, pois há espaço pra isso.
Mas como o Taoísmo, ao qual me apego de forma débil, não cansa de falar, tudo que existe é expresso por opostos: dia e noite, positivo e negativo, bem e mal, luz e sombras… não de forma antagônica, mas complementar, um não funciona sem o outro, e assim tudo se constitui. Aceitar a ambos os lados é uma experiência difícil, mas, lembrem-se de que aqui estamos falando de dor e prazer…
Não é surpresa que, para a leveza exista um peso. Que pode se dar de diversas formas, desde experiencias não muito boas na própria D/s, como por atravessamentos de diversos tipos – que geralmente vem do cotidiano e do tal mundo baunilha.
Somos os mesmos nos dois mundos. Nosso lado BDSM é uma faceta de nossa personalidade, que muitas vezes se expressa de forma invertida – a(o) bottom é uma pessoa extremamente ativa, por vezes autoritária no seu dia a dia, O Top pode ser um exemplo de candura e paciência.
Mas quando os atravessamentos chegam, a leveza tem seu maior desafio. Quanto mais o mundo Baunilha preencher o espaço do mundo BDSM, porque o véu ou a cortina se abriram de forma inesperada e proeminente, é preciso que a clareza dos limites do espaço BDSM não se abalem.
Entendam, não estou falando aqui apenas de problemas. Pode ser que os lados baunilhas da dupla se encaixem de forma maravilhosa e intensa e que a convivência das duas dimensões seja excelente.
Esse, na minha experiência, é o maior risco. Porque a chance de se perder aumenta. Um sinal não visto ou visto e não conversado, uma frase aqui outra ali…o sinal de que algo não está bem, que poderia estar claro mas está embaçado, pode agir como um veneno, porque tudo parece estar bem
O que torna a leveza de que eu falava…insustentável. E aí, toda evolução se perde, todo avanço estanca, e o que poderia ser… não será. Os laços se afrouxaram, e há grande chance que se desfaçam. Não se iluda…um laço emocional pode causar dor física. Mesmo para as pessoas mais duras.
O que fazer? Seja vigilante. Não deixe passar nada. Seja mais rígido na divisão entre os dois mundos, se necessário, a não ser que a mistura seja o que se busca, não há um jeito errado. Mesmo assim, a clareza do D e do s, e do seu encontro, a hierarquia, a verticalidade, são preciosas devem se manter. Seja numa relação D/s suave ou numa relação D/s pesada e rígida, e tudo mais que houver no meio. Porque se é isso que se busca, é isso que se deve manter. Ou todos perdem. Seja ruim para ambos, mais para uns do que para outros, não importa.
Quando a leveza se vai…a tristeza chega. E terá o seu tempo, mas, segundo o Taoísmo, a alegria surgirá. Me apego debilmente a essa sabedoria.

Luz e sombras...
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