Existem fetiches em profusão. Dos mais conhecidos aos moais exóticos. Temos o universalmente conhecido fetiche da Podolatria, por exemplo, com inúmeros aficionados. Num nível médio de conhecimento público está a Quirofilia, atração sexual por mãos. E temos também os menos conhecidos como Anadentisfilia (atração por bocas sem dentes) ou Actirasty (atração erótica pela luz solar) …enfim, tem sempre um chinelo velho para um pé cansado – guardadas as devidas proporções. Sempre devemos estar atentos a quando o fetiche ultrapassa as barreiras e começa a indicar transtornos psicológicos reais, longer de serem ilusão.
Obviamente que, no meio BDSM, encontramos diversos tipos de fetiches. Mas há um em especial sobre o qual quero lançar algumas idéias. Vou chamá-lo neste texto, de “razãofilia”. Trata-se praticamente de uma epidemia, e atinge todas as posições do meio, de forma ubíqua.
Na razãofilia, o verdadeiro tesão não está, pasmem, em nenhum tipo de prazer sexual com o outro, não se trata de uma parafilia exótica ou de prática que cause danos físicos diretamente. Ela é mais insidiosa que isso. Estamos falando da atração incontrolável por ter razão. E, no meio BDSM, razão sobre teorias, práticas e modelos de comportamento, chegando aos extremos, nos casos mais graves, de uma doutrina ou seita com códigos rígidos contra as quais não existe argumento ou opção.
Pode parecer, a princípio, que estou criticando as posturas que desejam um modelo de relacionamento BDSM com hierarquia exacerbada, protocolos herméticos e papéis determinados com diversos modelos de conduta. Afirmo que não é esse o caso, pois, como qualquer outro tipo de relacionamento no meio BDSM, se ele for significativo para todos os envolvidos, e seja pautado nos princípios que norteiam as práticas saudáveis, mesmo que, por vezes “extremas” a olhos não conhecedores.

A plateia me parece adequada...
Eu me refiro aos donos da verdade absoluta – donos de nada. Donos de uma retórica pautada no que for eleito por eles como certo e verdadeiro acima de tudo, pois é uma certeza imposta. E ai de quem discordar. É na afirmação e na imposição que essas pessoas sentem prazer.
Seriam sádicos (as)então? Não no sentido consensual do termo. Mas no sentido de impor a dor de aturar um arcabouço tido como único. Isso não é consensual – aqui aponto o ridículo do consenso imposto, um paradoxo na constituição da expressão. Não importa aos razãofílicos a dor do outro e sim a contatação de que sua verdade prevalece. Quando suas definições são ceitas sem questionar, quando seus moldes de comportamento prevalecem, quando seu estatuto de D/s é aplaudido…é aí que se encontra o prazer para eles(as).
Mas então…seriam elas apenas pessoas egocêntricas, mimadas, que não podem ser contrariadas, com um complexo de inferioridade[1] gigante e super compensado por um (falso) conhecimento sobre o tema? Ou, quando o conhecimento é real, distorcido para favorecer um único ponto de vista? Sim. A razãofilia é apenas um nome que estou dando para exemplificar pessoas que não se importam com pessoas, e sim com os papéis definidos segundo sua própria cartilha.
Elas se baseiam geralmente no tempo de experiência (como se o tempo fosse alguma garantiria de experiência) ou no clássico “quando eu cheguei aqui era tudo mato”. E se vendem muito bem, encontram quem os siga e valide por validar (olha o chinelo velho de novo, usado para o mal…) e acabam por ocupar um espaço e disseminar a tal verdade absoluta.
Esse é um cenário muito comum a quem está chegando no meio e não sabe onde achar a informação correta (existe pouco material em português, mas a internet não surgiu agora. A informação está lá, se você procurar), e acaba caindo no efeito Chicó (não sei, só sei que foi assim).
Minha recomendação sincera é: Pense. Questione. Se informe. Não aceite por aceitar. Busque outros pontos de vista.
Não importa qual é seu papel, posição favorita (não, não estou falando do “de quatro” ou “de ladinho). Não é porque você se identifica com o papel de submissa que você não tem direito de perguntar. Muito pelo contrário! É deste tipo de “verdade” nociva que eu estou falando. Pessoas que se consideram bottom DEVEM perguntar, devem questionar tanto ou mais que as que se dizem Top. Para sua própria segurança, para seu próprio consentimento. Para que possam fazer escolhas conscientes, claras, ou, pelo menos, menos arriscadas. Assim como o Top deve sempre se perguntar, e ter um alto nível de autocrítica.
O Red Pill da rede social chinesa é o mesmo cara tóxico(a), inseguro(a) e iludido(a) que vai dizer que tem 30 anos de BDSM aos seus 20 anos de idade. Vai escolher um título com nome pomposo como Lorde Vermelho Supremo. Vai exigir que você se ajoelhe por mensagem de texto sem nunca ter te encontrado. Vai exigir que escreva o nome dele(a) em letras maiúsculas antes de te dar bom dia. Ou…
Vai dizer que sua palavra é uma ordem antes de se passarem 5 minutos de conversa, vai jurar que já está digitando de joelhos e a cabeça baixa, que você é o Senhor(a) dos desejos dele(a), Lorde/Lady da vida dela, irá chamá-lo(a) de Senhora) porque é assim que é, não por respeito ou acordo mútuo.
Por favor, acordem, pensem questionem…é de graça. A verdade está lá fora, mas também está dentro de você. O que você sente, pensa, deseja, fantasia, FAZ diferença. Tem que fazer. Porque se só um lado valer nessa relação, não importa o quão Dominador(a) ou submissa(o) você é. A decepção te aguarda numa esquina no caminho, e você vai achar que BDSM só tem gente doida perversa e mau caráter.
Só digo uma coisa: o mundo baunilha também. A grande ilusão é pensar que fora do BDSM, você está seguro(a).
[1] Consultar Adler, Alfres. El Carácter Neurótico, 1912.

Não se iluda. Confie em sua percepção.
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